Essa história se passou quando eu tinha 8 anos. Agora eu tenho 28 anos e
tenho 3 filhos. Aconteceu na cidade onde eu nasci, Sarandi, no Rio Grande do
Sul. A casa onde morávamos sempre pareceu estranha. O terreno parecia ser quase
estéril. Só um capim ralinho crescia no quintal e em volta da casa, mais nenhum
tipo de planta. Nada de flores, árvores, legumes, grama, nada. Só aquele capim
ralinho e rasteiro. Eu sempre achei que aquele terreno era meio amaldiçoado,
parecia um pedaço da terra esquecida por Deus, mas meus pais sempre falaram que
não, que a terra ali simplesmente não era fértil, que depois de muito usada, já
não servia para mais nada. Mas eu sentia que não era isso, que tinha algo mais
por trás. Durante a minha infância lá várias coisas aconteceram comigo, coisas
estranhas. Mas agora vou contar somente a primeira delas.
Era uma noite fria e *normal* de Outono. Frio o bastante para te deixar dentro
de casa enrolada em um cobertor. E era exatamente o que eu estava fazendo. Como
eu não tinha muita coisa para fazer, eu resolvi fazer a minha lição de casa,
para poder ir brincar mais tarde.
O meu quarto era no segundo andar da casa. A minha cama estava alinhada com a
parede. Tinha uma janela ao pé dela, e outra na parede oposta à minha cama. Lá
fora estava muito escuro, mas do lado de dentro estava quente e confortável. Eu
estava deitada na cama e de vez em quando eu levantava a cabeça e olhava pela
janela ao pé da minha cama, e ficava olhando a noite escura lá fora. Sem motivo
nenhum, era apenas uma coisa que eu gostava de fazer. E essa foi a última vez
que eu fiz isso nessa casa.
Enquanto eu estava deitada na minha cama, de repente, eu senti um frio tomar
conta do meu quarto. Cada pelo do meu corpo arrepiou. O meu sangue parecia que
tinha gelado e que agora se arrastava pelo meu corpo. O meu coração estava
disparado. Eu estava começando a sentir um pânico tomar conta de mim, e não
sabia porque... ainda. Eu senti com se alguma coisa estivesse me puxando para a
minha direita. Como se fosse um imã gigante. Eu virei a minha cabeça para a
direita e olhei para a janela do outro lado do quarto, e vi *algo* que me
assombraria pelo resto da minha vida.
Sentado com as pernas cruzadas do lado de fora da minha janela, na jardineira
que tinha do lado de fora, estava a criatura mais horrenda que eu já vi na minha
vida toda. Ele tinha cerca de uns 80cm. A pele dele era muito branca, como se
nunca tivesse visto o sol, e de tão magro que era, dava para ver o formato dos
ossos dele sob a pele. Ele estava vestido com um pano que parecia aquelas togas
romanas, só que estava meio suja (foi por causa disso que mais tarde eu apelidei
ele de monstro romano). A cabeça dessa *criatura* era grande demais para o seu
corpo, e era completamente careca. Os seus olhos eram grandes e negros, eles
pareciam enxergar a minha alma. Ele abriu a boca e sorriu um sorriso que parecia
ser feito de pesadelo, um sorriso que me atormentaria por muitos anos. Os seus
caninos eram grandes, como os de um cachorro, grandes e ameaçadores. Os seus
outros dentes eram pequenos, e alguns pareciam estar quebrados. Eu fiquei
olhando aquela boca macabra, enquanto fios de baba escorriam pelos seus caninos,
passavam pelo seu queixo e caiam na sua toga. Ele então levantou a mão, na minha
direção. A sua mão só tinha 4 dedos. Um parecia ter sido arrancado. Desses 4
dedos somente 2 tinham unha, uma unha preta e quebrada. Alguma substancia escura
estava escorrendo pelos seus dedos e pela sua mão, uma gosma preta. Eu queria
gritar. Eu queria correr. Mas eu estava presa no lugar, presa por aqueles olhos
negros. Eu não conseguia mais respirar. Eu sentia como se a minha cabeça
estivesse sendo esmagada e a minha alma estivesse sendo rasgada. O sorriso dele
aumentou e ele abriu mais a boca. Ele continuou olhando para mim, como se ele me
conhecesse. Como se ele estivesse esperando por mim. Então ele levantou a sua
outra mão, essa com somente 3 dedos (os outros 2 também pareiam ter sido
arrancados). Parecia que em pouco segundos ele estaria dentro do meu quarto
comigo, e não lá fora me olhando.
Todos os traços de razão sumirão e a minha mente acordou. Eu ainda não sei como
eu fiz isso, mas eu consegui me desfazer do olhar dele e pular da cama e sair
correndo pela porta do meu quarto, gritando com cada centímetro da minha
garganta! Eu podia sentir ele me atraindo, podia sentir aqueles olhos
penetrantes me olhando por trás, enquanto eu corria pelo corredor até a minha
mãe.
É claro que quando ela o meu pai e o meu irmão mais novo voltaram, ele não
estava mais lá. Mas eles sabiam que eu tinha visto alguma coisa, e não tentaram
me convencer de que era a minha imaginação. Eles me acalmaram e trancaram as
janelas do meu quarto, fecharam as persianas e as cortinas. Eu não consegui
dormir lá naquele quarto por mais de um ano. Toda a minha família, mãe, pai,
irmão e a minha irmã ouviram o que eu falei que tinha acontecido. O meu irmão
até hoje lembra quando entrou no quarto com os meus pais. O monstro romano era
uma história que nós não contávamos muito. Sempre trazia medo a todos nós quando
alguém falava dela. Os meus pais nunca falaram disso com ninguém.
Enquanto eu crescia, eu tentei enfrentar o meu medo de dormir naquele quarto.
Mas eu nunca mais dormi com as costas viradas para a janela. Nunca.
18 anos depois eu me mudei para POA com a minha própria família e finalmente
encontrei paz. Mas eu nunca vou esquecer aquela criatura. Eu nunca durmo ou
sento com as costas para uma janela. E nunca esquecerei uma coisa que eu *ouvi*
ele dizer dentro da minha cabeça enquanto eu corria para fora do meu quarto
naquela fria noite de Outono;
"Algum dia, eu vou voltar..."
Silvermoon - Porto Alegre - RS